sábado, 23 de abril de 2022

GETÚLIO VARGAS CONCEDEU INDULTO INDIVIDUAL (GRAÇA) AO CANGACEIRO ANTÔNIO SILVINO

 


O famoso cangaceiro Antônio Silvino (1875 - 1945) foi preso em 1914 sob a acusação de assassinatos e de gerar desordem social, e foi condenado a 39 anos de prisão, com previsão de soltura em 1953. Havia ainda outros processos em curso. Entretanto, por incentivos de colegas de cela e por ter excelente comportamento carcerário, em 1937 entrou com uma petição junto ao presidente da República para obtenção de indulto individual (graça), e foi prontamente atendido por Getúlio Vargas, na época Presidente do Brasil, que baixou um Decreto nesse sentido (abaixo, curiosidades históricas sobre as circunstâncias anteriores e posteriores a essa concessão).

Comumente o cangaceiro recebia muitas visitas de antropólogos, poetas, criminalistas, políticos, mas foi a visita de um pastor batista que contribuiu para uma significativa mudança de vida do homem que chegou a ser na época o mais temido do sertão (quando Lampião entrou para o cangaço, Antônio Silvino já estava preso).

Convertido ao protestantismo após uma pregação, passou a viver serenamente na prisão. O homem que, ainda em cárcere, suplicou aos soldados que deixasse ele entrar noutra cela para brigar com soldados que estavam assassinando o algoz do político João Pessoa - vice de Getúlio, porém assassinado em 1930 -, agora o cangaceiro Antônio Silvino levava uma vida comportamental exemplar dentro da velha Casa de Detenção de Recife: comumente passeava nos corredores da prisão e no jardim. Adotou uma rolinha (pássaro típico do Nordeste brasileiro), a quem botou o nome de "menininha", que costumeiramente andava em seus ombros nas andanças pelo presídio (a rolinha foi morta involuntariamente por Antônio Silvino após ele pisá-la quando descia da cama, o que fez com que o então temido cangaceiro pranteasse a perda do animal de estimação).

Houve rumores de que, antes de se converter ao protestantismo, teria rogado às autoridades que o soltassem com a promessa dele prender Lampião. Em 1934, numa missa no presídio em memória à morte de Padre Cícero naquele mesmo ano, porém já convertido, Antônio Silvino desejou que o padre estivesse em descanso, mas se negou a participar da missa porque dizia que não acreditava em santos, momento em que afirmou que somente Jesus Cristo era santo.

Quando soube do indulto concedido, demonstrou enorme alegria, e foi indagado sobre onde iria morar, momento em que Antônio Silvino deu a seguinte resposta: "Irei para um lugar onde não se fale em comunismo, nem integralismo, nem em Partido Liberal, nem em políticos". Acuado por repórteres, desabafou na presença de todos: "Por causa de vocês da imprensa e do juiz de Olinda passei muito tempo aqui, quando já poderia estar liberto". A fala do ex-cangaceiro sugeria que a imprensa exercia influência sobre sua permanência na prisão.

Em 1938, já solto e de cabelos brancos, Antônio Silvino escreveu novamente ao Presidente Getúlio Vargas pedindo emprego, pois estava passando por necessidades financeiras, sendo de pronto atendido, quando passou a trabalhar na Bahia (poucos anos depois teve que abandoná-lo por causa de seu estado de saúde, quando foi morar em Campina Grande, Paraíba, na casa de uma prima, onde faleceu em 1945). Relatos de sua prima, que testemunhou sua morte, deram conta de que morreu em paz, serenamente.

Na imagem inicial, o encontro entre o ex-cangaceiro e o então presidente Getúlio Vargas, em 1938, quando compareceu para agradecer pelo indulto e pelo emprego.

Que os historiadores investiguem a história e se aprofundem sobre a acusação de Antônio Silvino acerca do papel da imprensa e do Juiz de Olinda na demora da soltura dele (de Antônio Silvino).

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Pesquisa e texto de Robério Fernandes, autor do blog.

Consulta feita no livro "Antônio Silvino, o cangaceiro, o homem, o mito", de autoria do magistrado Sérgio Augusto de Souza Dantas. 

Fotografia extraída do site lampiaoaceso.

domingo, 9 de janeiro de 2022

INFLUÊNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DA EUGENIA

No Brasil, a Constituição Federal de 1934, em seu Art. 138, alínea b, trazia a seguinte redação: "Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas (...) Estimular a educação eugênica.

Na época, a eugenia - teoria nascida no século XIX e que pregava o escalonamento de seres humanos a partir de condições genéticas -, era considerada ciência, e acabou seduzindo muitos intelectuais em várias partes do mundo, o que fez com que essa teoria passasse a ingressar oficialmente nas normas jurídicas de alguns países, como no Brasil e, sobretudo, na Alemanha (veja no final desta publicação um link que trata sobre o direito penal nazista, disponível neste blog).

Mas a eugenia era uma falsa ciência, e, sendo uma ciência falsa, é possível imaginar os estragos individuais e sociais que ela poderia causar, especialmente se acolhida pelo Direito e pelos círculos intelectuais (o que efetivamente aconteceu nos dois casos), pelo que podemos apontar algumas de suas consequências:

1. A eugenia alimentou em Hitler a ideia de que somente os arianos eram a verdadeira raça (superioridade), e que os judeus eram uma raça consideravelmente inferior, o que justificou, no ideal nazista, o projeto de supremacia ariana e extinção dos judeus. Vale dizer: a Segunda Guerra tem uma estreita relação com a crença eugênica por parte de Adolf Hitler.

2. A eugenia ajudou a disseminar a ideia de que o homem (sexo masculino) era intelectualmente superior à mulher (sexo feminino), cuja teoria foi ainda mais fortalecida na época a partir de pesquisas ligadas aos crânios de ambos os sexos. Cabe aqui observar que essa hierarquia intelectual não é a posição bíblica, que não enxerga os dois sexos com escalonamento intelectual, bem assim não tem hoje o aval da ciência.

3. A eugenia contribuiu para endossar uma antiga posição filosófica grega de que o trabalho intelectual deve ser mais reconhecido do que o trabalho braçal, pois, segundo esse posicionamento, há uma hierarquia entre os dois. 

4. A eugenia fez com que muitos intelectuais enxergassem o negro como sendo uma raça inferior ao branco, o que justificava - no corrompido imaginário dos adeptos da eugenia -, o fato do homem negro ter nascido para o trabalho braçal. Cabe observar aqui que o racismo em relação aos negros não nasce com a eugenia, porém esta acabou dando ares de cientificidade à escravidão.

5. Embora Nietzsche não tenha acenado oficialmente para a eugenia, sua filosofia (a de Nietzsche) foi bem aceita pela pedagogia eugênica nazista, como atestou o pedagogo eugênico nazista Alfred Bauemler ao declarar: "E quando nós convocamos essa juventude, marchando sob a suástica: 'Heil Hitler!', ao mesmo tempo nós atendemos ao chamado de Friedrich Nietzsche".

6. A eugenia fez com que nas décadas de 1930 e 1940 dezenas de milhares de pessoas fossem forçosamente esterelizadas e quase 200 mil pacientes psiquiátricos assassinados, a mando do Estado nazista, sob a justificativa de que eram geneticamente defeituosas.

7. A eugenia fez com que a Psicologia fosse sensivelmente deslocada para estudos sociais, infantis, educacionais e da personalidade, sempre com uma maior aproximação com as correntes nazistas, ante as crescentes pesquisas sobre raça, povo, comunidade e herança genética, as quais andavam alinhadas com o ideal eugênico e nazista.

8. A eugenia fez com que, sob o pretexto do Estado agir cientificamente, muitos indivíduos fossem usados de forma experimental em pesquisas eugênicas nazistas.

Como se pode perceber, quando a falsa ciência é levada a sério por se apresentar (e/ou ser apresentada) como sendo ciência verdadeira, tem ela o poder de causar grandes tragédias humanitárias, e a eugenia foi o principal exemplo.

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Veja ainda:

https://direitopoliticaefatos.blogspot.com/2021/08/o-direito-nazista_19.html



sexta-feira, 20 de agosto de 2021

A LINGUAGEM NEUTRA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 A Constituição Federal brasileira de 1988 diz, em seu artigo 13, que "A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil".

Merece atenção o fato do mencionado dispositivo constitucional acima transcrito afirmar textualmente que a língua portuguesa é o idioma OFICIAL, de modo que esse verbete em destaque, no contexto em que se encontra, acena para a obrigatoriedade dos documentos e áudios da lavra do Poder Público serem escritos e falados não somente na língua portuguesa, mas também dentro dos padrões oficiais, pois, do contrário, qual o sentido do verbete OFICIAL no comando constitucional? Aliás, ele é esclarecedor e distintivo, visto que a supressão do mesmo na frase abriria a brecha para que gírias e regionalismos linguísticos pudessem ser usados pelo Poder Público em suas expressões oficiais, cabendo, aqui, a observação de que aos índios está reservada a utilização de suas línguas maternas e dos processos próprios de aprendizagem por ocasião da ministração do ensino fundamental regular em língua portuguesa, conforme está disposto no Art. 210, § 2º, da Constituição Federal de 1988. Portanto, diferentemente de alguns países, como a Bolívia e o Equador, o Brasil não adotou as línguas indígenas como integrantes da oficial.

Que padrões oficiais são esses? São os padrões gramaticais em vigor, como, por exemplo, aqueles ligados à ortografia, à acentuação gráfica, à regência, à concordância, etc. Nesse sentido, é de fácil observação que todos os entes federados e todos os três Poderes constituídos determinam essa obrigatoriedade na produção de textos oficiais, sendo que muitos desses órgãos dispõem, inclusive, de manuais de redação oficial para orientação de seus servidores.

Em que pese o fato da língua ser um elemento vivo (com capacidade de mutação), a incorporação de neologismos por parte do Poder Público não ocorre de forma anárquica, mas a partir de critérios legais, vale dizer, quem determina a escrita oficial não são movimentos sociais, grupos ativistas, etc., e sim o próprio Estado, por meio de determinação legal, o que significa dizer que a existência, por si só, de novos verbetes em dicionários não é por si só suficiente para uso desses neologismos de forma anárquica pela Administração Pública, salvo sua menção de forma destacada (em itálico, aspeados ou maiusculizados) quando a eles se quer fazer menção (Exemplo hipotético: José defende que todes integre a língua oficial). 

Desse modo, o pretenso "pronome" TODES, para citar um exemplo, não pode ser usado pelo Poder Público em seus escritos, seja por meio de papéis, seja nas páginas oficiais da internet, seja nos audiovisuais, a menos que esse verbete ingresse na ortografia de nossa língua pelo crivo legal, como ocorreu com as novas regras decorrentes do novo acordo ortográfico da língua portuguesa, as quais, para vigorarem no Brasil, houve a necessidade de atos normativos do governo federal tornando-as oficiais (as novas regras), o que efetivamente aconteceu.

Os defensores da linguagem neutra têm o direito de pleitear esses neologismos e de usar suas redes sociais (por exemplo) com esses neologismos, porém essa militância, ainda que numericamente expressiva no meio social, não autoriza o Poder Público a usar da liberdade de agir à margem da língua oficial, ainda que a título de atender a expressivo apelo inclusivo e/ou pró-diversidade, pois o Poder Público está vinculado à obrigatoriedade do uso da linguagem oficial em face de uma exigência constitucional. Desse modo, o raciocínio consectário é no sentido de que até os ativistas desses neologismos estão vinculados ao dever de obediência às regras oficiais da língua portuguesa toda vez que (i) representarem o Poder Público, (ii) submeterem-se a exames oficiais promovidos por esse mesmo Poder ou (iii) quando se dirigirem oficialmente ao Poder Público, seja na forma escrita ou falada.

Ademais, cabe destacar outro ponto bem relevante: o supracitado artigo da Constituição Federal não permite a fragmentação do idioma entre os entes federados. Vale dizer, enquanto a linguagem neutra não integrar a ortografia oficial de nosso idioma, não pode um município ou um estado federado, por exemplo, adotar oficialmente essa linguagem, mesmo que por meio de aprovação de lei municipal ou estadual, pois, embora o conteúdo do citado artigo 13 não esteja dentro das disposições expressas do Título III da Constituição Federal (título esse reservado à organização político-administrativo da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal), o teor e o espírito do mencionado artigo não deixam dúvidas quanto à unidade e à inseparabilidade da língua portuguesa como idioma oficial a ser formalmente usado em todo o território nacional. As regras oficiais valem para todos os entes, indistintamente, sendo da União a competência para alterar a nossa língua oficial. 

Por fim, somente observar que esta publicação não tem o propósito de discutir os aspectos etimológicos ligados à linguagem neutra, tampouco se o Brasil deve ou não incluir a linguagem neutra nas regras gramaticais canônicas, bem assim se a referida linguagem é ou não constitucional, cujos temas serão tratados separadamente.                                                                                                              

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Texto atualizado em 09.01.2022