quinta-feira, 19 de agosto de 2021

O DIREITO PENAL NAZISTA

Adolf Hitler foi o autor intelectual de uma proposta para a criação de um denso código penal alemão, tendo como fundamentação a premissa de que o direito penal deveria ser instrumento de combate ao inimigo, por ele chamado de "perturbador da paz". Esse projeto não se transformou em lei, mas a vontade nele projetada se materializou em boa parte no direito prático de seu tempo.

Ao assumir o comando político da Alemanha, Hitler tinha pelo menos 4 (quatro) objetivos bem claros, dentre os quais expandir o território alemão e purificar a raça ariana, banindo os judeus.

O estopim para a ação de Hitler na seara penal foi o incêndio do Reichstag, ocorrido em 27 de fevereiro de 1933, o que resultou num decreto editado no dia seguinte, fundamentado na premissa de que o mesmo visava a proteção do povo e do Estado. O referido decreto terminou por afastar vários direitos fundamentais, criando, por exemplo, a previsão de pena de morte para casos de incêndio e alta traição, mesmo sem previsão legal no código penal então em vigor. Outra medida do decreto foi a centralização do poder político nas mãos do ditador em questão.

Como o decreto mencionado ocorreu em data posterior ao crime atribuído, Hitler queria que o mesmo tivesse aplicabilidade retroativa, pois seu objetivo era punir com morte os réus a quem se lhes atribuía a responsabilidade pelo incêndio. Para tanto, Hitler reuniu seu ministério e exigiu o cumprimento retroativo de seu decreto, quando anunciou que iria pessoalmente à cúpula do tribunal alemão a fim de alcançar seu objetivo. E conseguiu: meses depois fez aprovar uma lei que reconhecesse essa retroatividade. No julgamento, os réus não tiveram sequer o direito de escolher seus advogados, sendo-lhes nomeados por indicação do próprio Hitler, os quais não obtiveram nenhum pedido alcançado, sendo todos eles negados pelo juiz que presidiu a ação, também escolhido pelo ditador. Um dos réus, exatamente o que Hitler queria que fosse punido com pena de morte, teve seu destino selado como tal.

Também fez aprovar leis que lhe davam poderes para editar decretos sem limitações temáticas, inclusive para firmar tratados internacionais sem a intervenção do legislativo.

Hitler passa então a perseguir professores universitários de Direito, sendo um deles o conhecido jurista Hans Kelsen, que teve que se refugiar nos Estados Unidos.

São realizados congressos jurídicos com temáticas ligadas aos judeus, cujo propósito passava pela necessidade de eliminar a influência judaica do mundo jurídico. Não demorou e a eugenia, com foro de ciência, foi encaixada em temas jurídicos e científicos. Ainda naquele ano de 1933, Hitler conseguiu editar um decreto que previa a esterilização de pessoas com doenças hereditárias. O casamento e relações sexuais entre alemães e judeus passaram a ser criminalizadas, num manifesto intento eugenista da lei, que considerava como científica a superioridade racial alemã. Também foi proibido o aborto por casais arianos, porém estimulado quando os pais apresentavam alguma doença hereditária.

Dois anos depois, tendo o Poder Legislativo sob seu controle, o ditador alemão conseguiu a aprovação de uma lei que previa a analogia em sede penal com base no sentimento do povo alemão, cuja premissa partia do pressuposto de que era preciso libertar o juiz das prisões do texto da lei, tendo o jurista Carl Schmitt - adversário de Hans Kelsen - como mentor jurídico intelectual dessa proposta. Na prática, tendo em vista que o Poder Judiciário estava sob o controle político do líder alemão, consistia essa medida em permitir que o juiz pudesse ir além do texto da lei, a fim de alcançar os propósitos políticos do ditador. Desde então foram promulgadas várias leis penais que traziam muitos termos abertos e vagos, por meio dos quais, como dito, o juiz poderia enquadrar determinada prática como sendo delituosa, ainda que ela não se enquadrasse no texto da lei.

De um modo geral, o corpo jurídico nazista passou a ser interpretado pelos tribunais considerando o ser humano alemão como uma comunidade com valores próprios (distintos dos demais povos), e não como uma individualidade portadora de direitos fundamentais. Nesse sentido, a lei penal passou a ser usada como uma caça aos inimigos do governo e do arianismo, sendo considerado inimigo todo aquele que fosse concreto ou potencialmente perigoso para o sentimento comunitário do povo alemão.

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Parte do conteúdo deste texto tem como fonte o trabalho acadêmico do Prof. Dr. Chistiano Fragoso. Texto e autoria de Robério Fernandes, autor deste blog.

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